segunda-feira, 13 de setembro de 2010

LENDAS

A lenda da Erva Mate



Toda a tribo tinha partido para a guerra. Mas um homem, por causa de sua idade avançada, teve que permanecer. E ele ficou chorando no alto de uma colina, vendo os jovens guerreiros partirem. Ele se lembrava de quando era um valente guerreiro e como, agora, estava fraco e envelhecido. Sua única alegria era sua filha Iari, que já tinha recusado muitos pedidos de casamento para ficar ao lado do velho pai.
Um dia, chegou ao rancho do velho guarani, um viajante estranho, com roupas coloridas e olhos lembrando o azul do céu longínquo. O velho logo percebeu que o homem vinha de muito longe e recebeu o viajante com amizade. Iari foi buscar os melhores frutos da floresta e o mel mais doce das abelhas. O velho índio, com os olhos cerrados para lembrar-se melhor das histórias de um mundo afastado no tempo, recordava episódios de sua mocidade. Tudo era feito para que as horas que o estrangeiro passasse naquele rancho fossem agradáveis.
No outro dia, com o sol raiando, o viajante já estava pronto para partir. Dirigiu-se então ao velho índio e disse:
- Você é uma pessoa muito boa. E a sua bondade merece ser recompensada. Eu sou um mensageiro de Tupã, espírito do bem. Pede o que quiseres e eu lhe darei.
- Nada mereço pelo que fiz, senhor! - respondeu o guarani. Mas gostaria de um companheiro para a minha velhice, para que minha filha Iari possa casar e formar sua própria família. É só o que eu peço: um amigo fiel que fique comigo e me dê ânimo.
O mensageiro de Tupã sorriu. Em suas mãos brilhava uma planta repleta de folhagens verdes. O viajante entregou a planta ao velho e disse:
- Deixa crescer esta planta e bebe de suas folhas que você terá o companheiro que tanto deseja. Esta erva traz em si a força de Tupã e trará conforto para todos os homens de tua tribo. E Iari será a protetora das florestas. As caminhadas de guerra serão menos cansativas e os dias de descanso mais felizes.
E desde então, Caá-Iari é senhora dos ervais e deusa dos ervateiros.


Negrinho do Pastoreio



"Negrinho era escravo de um estancieiro ricaço e avarento". Assim começava a contar invariavelmente a sua história um negro velho, que fora escravo nas terras do sul. Ninguém sabia ao certo donde ele viera, nem o que fizera em sua mocidade.
Negro Velho (assim o chamavam as crianças, que tanto gostavam de ouvir a sua história) era exímio cavaleiro, e o animal que ele amansasse podia ser montado até por moça da cidade, de tão mansinho que ele ficava.
Isso no tempo em que ele chegou aquele lugar sossegado do interior, vindo das bandas do sul, quando ainda lhe restavam algumas forças. Negro Velho estava agora muito cansado e não servia mais para nenhum serviço. Só sabia contar a sua história:
“Negrinho era escravo de um estancieiro ricaço e avarento...Cedo seus pais tinham sido vendidos e levados para muito longe. Assim, ele cresceu só, sem o carinho de ninguém neste mundo”.
Nego Velho enxugava uma lágrima na manga da camisa, dava uma tragada no pito e continuava a contar:
“E sua vida era trabalhar todo o santo dia no pastoreio, e sofrer calado os maus tratos do dono”.
Em sua narrativa, Negro Velho usava sempre as mesmas palavras como se recitasse uma oração. Essa não era uma história qualquer de fadas e de princesas, mas da vida de um menino sem nome, que só tinha de seu, um dono, um senhor, e o dever de o servir. Uma história dolorosa do tempo do cativeiro dos negros, felizmente já abolido há tantos anos. Ela estava gravada em sua memória, como se tivesse sido vivida...Como se fosse uma história real... E continuava:
“Um dia fugiu um cavalo baio de estimação que estava a seu cuidado. O menino, em vão, procurou o animal. Caiu a noite. Negrinho acendeu uma vela e continuou a vagar. Valeu-lhe então sua madrinha, Nossa Senhora, os pingos de vela formaram um rasto de luz. A luz cresceu, enchendo todo o campo, o que o permitiu achar o cavalo perdido. Mas de manhã, quando ele voltava, o filho do estancieiro, um menino muito mau, espantou o cavalo, que tornou a fugir pelos campos sem fim“.
Havia naquele tempo, senhores de escravos tão cruéis que davam mais valor a um cavalo de estimação, que lhes servia para exibir a sua opulência, do que a vida de um ser humano. Assim era o estancieiro, dono do Negrinho. E Negro Velho contava:
Não se conformando com o prejuízo, o senhor mandou que o pobrezinho fosse açoitado até morrer. E seu corpo foi atirado à boca de um formigueiro. Voltando ali, ao clarear do dia seguinte, o estancieiro viu, espantado, o Negrinho de pé à beira da cova. O escravo, deu um pulo, montou no cavalo baio e desapareceu a galope... Começou então a correr pelo povo a história do milagre. E, à noite, quem andasse viajando pela campanha deserta, via, às vezes, surgindo das sombras dos matos, passar o Negrinho a galope, montado no baio.
Até hoje, quando alguém procura uma coisa perdida, é costume acender uma vela e dizer esta oração: “Negrinho do Pastoreio, leva esta luz a Nossa Senhora, acha pra mim o que perdi”. Nunca se ouviu dizer que o bom menino faltasse na ajuda aos que recorrem a sua bondade, deixando de por o perdido a jeito de ser encontrado pelo seu dono.
Todos os que o ouviam acreditavam na história do Negro Velho e pediam ao Negrinho que os ajudasse a achar o que perdiam, coisas esquecidas em algum canto, que acabavam sendo encontradas. Assim a fama milagrosa do menino mártir aumentava...
Não se sabe se o Negrinho morreu mesmo, ou se caiu exausto pelos maus tratos recebidos. Reanimado pela brisa fresca da manhã, fugira espavorido ao ver o seu carrasco. O cavalo baio teria ouvido, no mato onde se escondera, os gritos de dor do amigo, que o tratava com carinho, e viera velar o sono da inocente criança...
E o Negrinho do Pastoreio continua a passar a galope pela lembrança do povo, dando coragem aos que perderam, deixando pelo seu caminho um rasto de esperança



A Salamanca do Jarau





No tempo dos padres jesuítas, existia um moço sacristão no Povo de Santo Tomé, na Argentina, do outro lado do rio Uruguai. Ele morava numa cela de pedra nos fundos da própria igreja, na praça principal da aldeia.
Ora, num verão mui forte, com um sol de rachar, ele não conseguiu dormir a sesta. Vai então, levantou-se, assoleado e foi até a beira da lagoa refrescar-se. Levava consigo uma guampa, que usava como copo.
Coisa estranha: a lagoa toda fervia e largava um vapor sufocante e qual não é a surpresa do sacristão ao ver sair d'água a própria Teiniaguá, na forma de uma lagartixa com a cabeça de fogo, colorada como um carbúnculo. Ele, homem religioso, sabia que a Teiniaguá - os padres diziam isso!- tinha partes com o Diabo Vermelho, o Anhangá-Pitã, que tentava os homens e arrastava todos para o inferno. Mas sabia também que a Teiniaguá era mulher, uma princesa moura encantada jamais tocada por homem. Aquele pelo qual se apaixonasse seria feliz para sempre.
Assim, num gesto rápido, aprisionou a Teiniauá na guampa e voltou correndo para a igreja, sem se importar com o calor. Passou o dia inteiro metido na cela, inquieto, louco que chegasse a noite. Quando as sombras finalmente desceram sobre a aldeia, ele não se sofreu: destampou a guampa para ver a Teiniaguá. Aí, o milagre: a Teiniaguá se transformou na princesa moura, que sorriu para ele e pediu vinho, com os lábios vermelhos. Ora, vinho só o da Santa Missa. Louco de amor, ele não pensou duas vezes: roubou o vinho sagrado e assim, bebendo e amando, eles passaram a noite.
No outro dia, o sacristão não prestava para nada. Mas, quando chegou a noite, tudo se repetiu. E assim foi até que os padres finalmente desconfiaram e numa madrugada invadiram a cela do sacristão. A princesa moura transformou-se em Teiniaguá e fugiu para as barrancas do rio Uruguai, mas o moço, embriagado pelo vinho e de amor foi preso e acorrentado.
Como o crime era horrível - contra Deus e a Igreja! - foi condenado a morrer no garrote vil, na praça, diante da igreja que ele tinha profanado.
No dia da execução, todo o Povo se reuniu diante da igreja de São Tomé. Então, lá das barrancas do rio Uruguai a Teiniaguá sentiu que seu amado corria perigo. Aí, com todo o poder de sua magia, começou a procurar o sacristão abrindo rombos na terra, um valos enormes, rasgando tudo. Por um desses valos ela finalmente chegou à igreja bem na hora em que o carrasco ia garrotear o sacristão. O que se viu foi um estouro muito grande, nessa hora, parecia que o mundo inteiro vinha abaixo, houve fogo, fumaça e enxofre e tudo afundou e tudo desapareceu de vista. E quando as coisas clarearam a Teiniaguá tinha libertado o sacristão e voltado com ele para as barrancas do rio Uruguai.
Vai daí, atravessou o rio para o lado de cá e ficou uns três dias em São Francisco de Borja, procurando um lugar afastado onde os dois apaixonados pudessem viver em paz. Assim, foram parar no Cerro do Jarau, no Quaraim, onde descobriram uma caverna muito funda e comprida. E lá foram morar, os dois.
Essa caverna, no alto do Cerro, ficou encantada. Virou Salamanca, que quer dizer "gruta mágica", a Salamanca do Jarau. Quem tivesse coragem de entrar lá, passasse 7 Provas e conseguisse sair, ficava com o corpo fechado e com sorte no amor e no dinheiro para o resto da vida.
Na Salamanca do Jarau a Teiniaguá e o sacristão se tornaram os pais dos primeiros gaúchos do Rio Grande do Sul. Ah, ali vive também a Mãe do Ouro, na forma de uma enorme bola de fogo. Às vezes, nas tardes ameançando chuva, dá um grande estouro numa das cabeças do Cerro e pula uma elevação para outra. Muita gente viu.




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